26/08/2008

Velório de suicida

Olá... Meu nome é Érico, tenho 40 anos e eu vim contar a história da minha mãe.

Ela teve doze filhos, suou a vida inteira pra sustentar todo mundo. Meu pai era motorista de bonde e ela era professora de Geografia e vice-diretora d euma escola municipal da cidade de Lima Duarte.
Claro que o custo de vida era outro. Dava pra criar, com sobra, os seis primeiros filhos... (todos na roda riram um pouco) doze era um pouco demais pros dois. Lembro-me até de quando o frango, comprado apenas no natal, era servido. Cada um tinha um pedaço. O meu era a asa esquerda. E tem outra! No dia das mães tinha bife. Como era um dos últimos, pegava os menores pedaços de bife. Por causa da hierarquia da época. Primeiro, servia-se o pai, que pegava o segundo maior pedaço, depois, a mãe, que pegava o maior pedaço, e os filhos se serviam em ordem de nascimento. Tô falando muito de mim...

Minha mãe teve muito trabalho pra criar todo mundo. Claro que os mais velhos dividiam o trabalho, mais era difícil criar e educar todos os irmãos. Ela alfabetizou todo mundo, ensinou valores, ensinou as irmãs a cozinhar, cuidava da casa e ainda sobrava tempo pra corrigir as provas e trabalhar na escola.

Falei muito de comida porque minha mãe adora comer! Ela sentia saudade dos gostos qeu comia quando tinha uns três ou quatro filhos. Falava que quase não podia comer porque sempre estava grávida. Sempre chorando, coitada, meu pai chegava machucado do trabalho em casa. Trabalhava muito, ganhava pouco. Por mais que ela fosse adulada, ela não gostava muito da situação de vida dela.

Os filhos foram alcançando a idade do ginásio e ela foi mandando pra capital (Belo Horizonte). Quase todos os meninos estudaram no Insituto de Educação. Educar aquela moça sabia viu... E como sabia. Foi aí que algo triste aconteceu: Meu pai perdeu um braço no bonde, um bêbado o puxou pros trilhos. Como ela chorou. Mas logo depois ela teve um alívio, sentiu-se como se Deus estivesse olhando pra ela lá de cima. Recebeu uma proposta de dar aula de geografia noInstituto de Educação aqui em Belo Horizonte, Na época era considerada uma ótima escola, o melhor é que combinou o tempo do 4º filho precisar de se mudar pra lá. Ela foi de mala e cuia com todo mundo. Mas ela não sabia que era mais caro criar filhos na capital. Escola ela não pagava, porque era professora, mas o custo de vida era maior... Passou a ensinar a noite também, alfabetizando adultos. Quase não tinha tempo pra vida dela coitada. Não dava mais pra comer o frango e nem o bife.

O tempo passou e os filhos dela foram conseguindo empregos diversos e foram saindo de casa, mas meu pai morreu e ela passou junto com o tempo e foi ficando doente e debilitada. Lembro até que minha mulher falou "Tem muito do psicológico de não ter mais os filhos em casa, aidna mais o marido, que ela ama tanto" Achei a idéia ótima. Trouxe ela pr aminha casa. Os meninos adoram a avó e ela tem muito carinho por eles. Não faz os biscoitos que eu comia na infância, mas ensinou a secretária lá de casa a fazer todos. Ela, coitada, que não os podia comer, que só de olhar aumentava a glicose, fitava os netinhos enquanto conversava conosco tomando alguma de suas pílulas.

Eu não entendo... sempre tive muito cuidado com a minha mãe sabe?! Fiz TU-DO o que o doutor mandou, ela não comeu gordura, carne vermelha, glicose, café, nada... Outro dia escutei ela dizendo "Quando podia comer, não tinha dinheiro... nem tempo. Agora que tenho tempo de sobra... e tenho dinheiro, não posso mais comer." Eu ri... Minha esposa e os netos dela riram. Mas ela tava só melhorando de saúde. Quem liga pra não aproveitar um gostinho de nada, quando é da vida que nós falamos... né? NÉ!?!?! Eu nunca deixei-a comer o bacon, o feijão andu, a pimenta, o frango, o bife e tudo aquilo que ela não podia mais comer. Queria ela sempre bem e de bem com a vida... (uma lágrima escorre na maçã do rosto, rosa de frio) de bem com a vida...

10 comentários:

Carolina Arantes disse...

Eu acabo me apaixonando pelos seus personagens, sabe... ;)

Gabriel Zocrato disse...

desculpe se a julgo muito rapidamente, mas parece uma tempestade em copo d'água.

Carolina Arantes disse...

está perdoado por julgá-la rapidamente e sem sua sensibilidade constumeira, olhe bem, olhe de novo e perceba o contexto. Se não, eu te estranharia.

Tiago Gomes disse...

Bom, adorei a história e adorei a fala final.
Me pareceu em parte com algumas coisas que já... Mas acho qera essa a ideia... parabéns!

Gabriel Zocrato disse...

Pois que me estranhas!
Simpatizo com suas lutas na vida, mas não justifico minha indiferênça com a crença de que nunca é um bom caminho, o que de fato acredito.
Digo, sim, que suas perdas foram supervalorizadas frente a seus ganhos, e se ela não valoriza tudo de bom que tinha e podia ter, não desperta minha compaixão; Seus motivos não me comovem, e assim não o faz a história em sí.

Crucifique-me ou prove-me errado.

Gabriel Zocrato disse...

http://zocrato-au.blogspot.com/

Mau e Ana disse...

nossa
você é mesmo muito bom
Mas esses textos doem (bom sinal, sabia?) apareça mais

Filósofo da pochete azul disse...

eu tb n concordo com suicídios... acho q motivo nenhum é motivo pra morrer... mas eu não sou a velha...

Gabriel Zocrato disse...

axo q vc não entendeu o q eu disse, ou então fez um comentário tão avulso q respondeu somente a sí mesmo.

Flora disse...

E ela viveu muito, fez o bem que pode e não viveu o bem que queria...
Doze filhos, muita pouca saúde... Muita falta, muito pouco.
Era tudo muito, chegou o limite, chegou o adeus.